Refinaria no Ceará: a ilusão se desfaz. Após sete anos, Petrobras enterra projeto da Refinaria


Passaram-se quase sete anos desde que o então presidente Luís Inácio Lula da Silva garantiu, em evento no Ceará, a instalação da refinaria Premium II no Estado, um sonho de cerca de cinco décadas da população cearense. Depois de muitas idas e vindas, adiamentos e rumores de que a usina não seria realizada, a Petrobras anunciou, na madrugada de ontem, que, de fato, o projeto de implantação do empreendimento foi encerrado.

Envolvida em diversos escândalos de corrupção, a empresa divulgou as suas demonstrações contábeis trimestrais não revisadas pelos auditores independentes. No documento, afirmava que, no último dia 22 de janeiro, a companhia decidiu encerrar os projetos de instalação tanto da refinaria cearense quanto a do Maranhão, a Premium I.

"A Companhia, diante dos resultados econômicos alcançados até o momento, consideradas as taxas previstas de crescimento dos mercados interno e externo de derivados e da ausência de parceiro econômico para a implantação, condição prevista no Plano de Negócios e Gestão da Companhia, PNG (Plano de Negócios e Gestão) 2014-2018, entendeu que deveria encerrar estes projetos de implantação", anuncia o texto do documento.

Entre boatos e ações

No ano passado, já havia sido vazado no mercado que a Petrobras iria adiar os projetos das duas refinarias em virtude de uma desaceleração do crescimento da demanda de combustíveis no País. Após a divulgação dessa informação na imprensa, a presidente Dilma se apressou a defender o contrário, garantindo que os projetos seriam entregues dentro do cronograma, ou seja, em 2018 para a Premium II e 2019 para o primeiro trem da Premium I (que seria entregue em duas etapas).

O Diário do Nordeste entrou em contato ontem com a Presidência da República, mas foi informado pela assessoria de imprensa que o governo federal não iria se pronunciar oficialmente sobre o assunto.

Acontecimentos

Quando anunciadas, as duas refinarias somavam investimentos de US$ 30 bilhões para sua implantação. Diante da experiência com a instalação da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco - que passou de um custo inicial de US$ 2,5 bilhões para US$ 18,5 bilhões -, a Petrobras decidiu rever os custos das unidades Premium, em busca de viabilidade econômica compatível com os preços internacionais para o custo do barril unitário.

Ainda em 2013, a presidente da companhia, Graça Foster, chegou a declarar que ambas as usinas eram economicamente viáveis, que seus projetos, então refeitos, tinham alcançado um Valor Presente Líquido (VPL) positivo. Para conseguir isso, "muitas simplificações" nos projetos haviam sido feitas. "(Os projetos) estão num nível de maturidade extremamente alto", afirmou.

Em julho do ano passado, Foster garantiu que, até o fim de 2014, seriam lançados os editais de licitação para as obras das usinas, o que não aconteceu. A Petrobras estudava que tipo de modelo iria utilizar para a construção das novas unidades e, qualquer que fosse o formato, deveria contar com investidores. "A autorização que nós temos do Conselho de Administração é de conduzir essas refinarias com parceria", afirmou ela, em resposta à indagação do Diário do Nordeste, em coletiva no Rio de Janeiro.

A Petrobras chegou a firmar um memorando de entendimentos com a sul-coreana GS Energy, apresentada à estatal pelo então governador Cid Gomes, mas as negociações não avançaram. Havia rumores de que a empresa estava negociando com parceiros chineses, mas nada foi confirmado. Foster reforçava apenas que existiam negociações em andamento. No comunicado anunciado ontem, todavia, a empresa declarou que não conseguiu parceiros.

Decisão econômica

Por diversas vezes, a presidente da Petrobras afirmou que a decisão pela implantação das refinarias Premium não era política, mas econômica. A defesa era de que, diante das perspectivas com a exploração de petróleo no pré-sal, eram necessárias novas unidades de refino para processar todo esse óleo, impedindo que o Brasil se tornasse apenas exportador de petróleo cru e importador de derivados. O Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2023, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), lançado no ano passado, reforça esse posicionamento, mas pondera que os investimentos devem ser feitos somente com viabilidade garantida. "O aumento do excedente de petróleo nacional e a necessidade de importação de quase todos os principais derivados indicam claramente que há espaço para ampliação e adequação do parque nacional de refino, desde que estes investimentos se revelem economicamente viáveis para o investidor, ou que sejam considerados indispensáveis para a segurança do abastecimento do País", afirma o documento.

Estado repudia decisão

Ciente do acontecido desde a manhã de ontem, o governador Camilo Santana passou parte do dia com secretários e, por volta das 21h, lançou nota repudiando "totalmente" a decisão. "Essa atitude representa uma quebra unilateral do compromisso firmado com o Estado e configura um desrespeito da empresa com o povo cearense", diz a nota, informando da surpresa dele ao receber a notícia. O texto ainda diz que Camilo "cobrou explicações da Petrobras, conversou com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e solicitou uma audiência com Dilma Rousseff". Afirmou que "o Ceará cumpriu todos requisitos para a implantação da refinaria", e encerrou: "o Governo afirma que continuará lutando e empreendendo todos os esforços para viabilizar este importante projeto".

Projetos podem ser retomados em 10 anos

O projeto da refinaria Premium II está, de fato, encerrado. Assim como da Premium I. Contudo, em nota enviada na noite de ontem, a Petrobras afirmou que poderá retomar estes, ou algum outro projeto de refino, daqui a 10 anos. A estatal, contudo, não se compromete com esta possibilidade. "Há indícios que nova adição de refino possa se dar a partir de 2025. Caso nova demanda se confirme para este horizonte, projetos de adição de capacidade de refino poderão voltar a fazer parte dos próximos Plano de Negócios e Gestão da Companhia". "Os resultados econômicos para ambos empreendimentos não demonstraram atratividade até o momento, mesmo após incorporadas as otimizações de redução de custo de investimento" esclareceu. A segunda razão é que "o crescimento dos mercados interno e externo de derivados pode ser atendido pelo aumento de capacidade que o Promega (Programa de Maximização de Médios e Gasolina) vem promovendo nas 12 refinarias em operação, adicionado da Rnest e Comperj, em construção". Por fim, reforça a ausência de parceiro para a implantação da usina.(SS)

Análise

Será que fomos todos enganados?

Ao longo de tantos anos na edição de Economia, sempre que surgia algum novo lance em torno da Premium II havia reações de leitores duvidando da implementação do projeto. Mesmo em meio a todas as dificuldades já impostas para a concretização de uma refinaria no Ceará, entretanto, particularmente eu acreditava que um dia ela se tornaria real.

Mas, para mim, esteve sempre claro que faltava uma vontade política maior que garantiria a realização do projeto e também, em muitos momentos, a sensação de fragilidade da pressão a partir dos políticos pela usina. Muitas vezes, surgiram especulações e informações sobre adiamentos e até desistência da implementação do projeto no Estado. Em seguida, contudo, alguém de elevada credencial ou a própria Petrobras, assegurava que a ideia continuava de pé.

Após toda a crise que a estatal vivencia, respinga sobre o Ceará e o Maranhão um outro capítulo a partir da cena de corrupção que envolve a maior empresa brasileira. Mesmo considerando o contexto de dificuldade econômica vivenciado no País fica a pergunta: fomos todos enganados?


Regina Carvalho/ Editora da Área de Economia
Diário do Nordeste

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